PARTE 1 – SÓ ALEGRIA!! QUE GATINHO LINDO!Minha viagem começou bem, no dia 14/outubro/2001, assim como todo filme de terror que começa bem, mostrando a família feliz que vai habitar a casa mal–assombrada!
Todos felizes – a família – escolhemos nosso destino fazendo o Circuito Lagos Andinos pela SOLETUR. Sairíamos do Brasil com tudo pago: hotel, meia-pensão, transfers in e out para hotel/ aeroporto, tickets de barcas para as travessias dos Lagos. Apenas pagaríamos no local as atrações à parte - os extras - que toda excursão oferece! Iríamos embarcar no roteiro fantástico, com guia falando português, acessorados durante toda a viagem e ainda com um seguro-saúde para cobrir qualquer eventualidade, caso fosse necessário! Ou seja, aquele tipo de viagem: leve um dinheirinho pra fazer passeios, comprinhas, souvenirs, porque você já quitou/financiou a maior parte da despesa, e não se preocupe porque o guia vai fazer tudo por você: todos os seus problemas serão resolvidos.
Estava tudo OK! SOLETUR? Ah, empresa super-sólida, altamente recomendada, reconhecida internacionalmente... etc etc... Nenhum problema. Quem já viajou, sabe!
PARTE 2 – O GATO SUBIU NO TELHADOAh, como todas as viagens que anteriormente já havíamos feito por esta empresa, tudo transcorreu bem... Percorremos algumas cidades do Chile e finalizamos em Buenos Aires, Argentina. E foi aí que o bicho pegou!! A viagem que até então estava ótima, iria ter seu ápice naquela fatídica noite do dia 25/10. No roteiro, havia um opcional: uma atração super anunciada *A Noite do Tango* em uma das badaladíssimas casas noturnas do local! A quantia a ser paga por esta atração extra não era pouca (não me recordo porque - TKS GOD - eu e minha família não pagamos!), mas vocês podem imaginar: Fim de excursão é como fim de festa... Você ficou até àquela hora e não beijou o cara que queria, a noite está acabando, a maquiagem está borrando, o salto já está incomodando, a bebida já está te deixando alterada, se sobrar um cara feio e rolar uma pegação já é lucro! Fim de excursão é a mesma coisa... Está na hora de voltar pra casa, encarar os problemas, o sonho vai terminar... Se sobrou algum dinheiro, você não vai ficar pensando duas vezes... queima tudo! Principalmente porque neste roteiro não há opções de compras no estilo New York (eletroeletrônicos por preços fantásticos). É um roteiro pra curtir a natureza, as atrações locais, “sentir a cultura”... Bom, já deu pra sentir como estavam todos eufóricos se preparando pra ir ver o Tango! Alguns estavam até meio cansados, compraram o ingresso antecipadamente e estavam indo porque não haveria restituição, é claro!!!!!
** Pausa pra dica: nunca compre estas coisas antecipadamente, vai que você torce um joelho, passa mal e não pode cumprir o compromisso! Vai ter que pagar por ele, aliás: já ta pago!
Prossigamos: ... Era noite, todos se preparando, ouvia-se o zum zum zum no corredor do hotel, ... de repente o interfone toca no nosso quarto! ....hum..o que será que houve? .... O guia Fulano na linha nos chama. Pede que o representante de cada família compareça ao salão antes da partida para o Tango porque ele precisa dar “uma notícia”. Nossa, pensamos, será que morreu algum passageiro.
** OBS: As excursões da SOLETUR são conhecidas pela avançada faixa etária de seus passageiros, que, estando em um país distante, sentem-se invencíveis, esquecem do prazo de validade e resolvem tentar ousadias que sequer imaginariam se estivessem no país de origem. Desta forma, eles têm a oportunidade inédita de experimentar a eficácia, os preços salgados, e a tecnologia de ponta com relação a exames diagnósticos que são praticados no exterior e que, nem sequer são sonhados por um reles cliente credenciado pelos planos de saúde brasileiros. Ou seja, o sonho de consumo de viagem para passageiros hipocondríacos ou com Síndrome de Munchausen. Resultado: se não são engessados e voltam pra casa perdendo metade da excursão, passam o restante dela no leito do hospital. Isso para os mais *sortudos*!! Sendo assim, não é nada raro acontecer que um escorregou no box e foi para o hospital; outro, que nunca havia visto neve na vida, muito menos um par de esquis, tentou aventurar-se em uma manobra radical e foi para o hospital; outros ainda “caem da própria altura” por tropeçar na sombra e .. também vão para o hospital; e por aí vai... Os guias ficam loucos porque eles resolvem ter estes piripaques em dias diferentes o que significa dizer – em cidades diferentes! Mas e a excursão? ela segue... ela segue... Show must go on!!!
PARTE 3: O GATO CAIU DO TELHADO
Voltando.... Descemos eu e meu irmão. Do corredor próximo a tal sala já se ouviam os sussurros, os murmúrios. Aquele grupo de pessoas todas de pé, com olhar inquisitivo, grave, preocupado... Afinal, o que poderia ser tão grave? Hoje era a última noite em Buenos Aires e amanhã todos embarcavam para o Brasil. O quê de tão grave poderia ter acontecido, agora que já estávamos no fim da excursão? Entramos na sala, meu irmão e eu, e nos juntamos ao grupo tentando saber se *algo* já havia sido divulgado. Os passageiros se entreolhavam tentando perceber se havia alguém *ausente* ... mas nada!
De repente... faz-se um silêncio... O guia Fulano, que até então era um sujeito simpático, bem-humorado, controlado, despachado, cavalheiro ... não deixa de sê-lo! Mas revela-se extremamente emotivo! Ele entra na sala, e vai singrando a multidão que passa a voltar-se em sua direção... Os sussurros recomeçam à medida que ele chega a frente da sala de conferências. Uma das vozes se ergue perante as demais.. Então, Fulano? Qual é a *notícias* ? Silêncio! Apreensão! Fulano antes de pronunciar-se coloca a mão no peito. Faz um olhar quase teatral. Tira do bolso do paletó preto, um lencinho pequeno e vermelho!!!! Seus olhos enchem-se de lágrimas! Ele assoa o nariz no pequeno lenço vermelho! E o zum zum recomeça... Ele então, com a voz embargada, temta falar e está mudo. Abaixa os olhos, leva o lenço ao rosto e assoa o nariz novamente. Levanta o olhar avermelhado e faz sinal com as mãos para que se faça silêncio. A esta altura, o pensamento que vêm à mente é *morreu alguém*!!
PARTE 4: ERA GATO OU ERA LEBRE??
Ele então limpa a garganta e diz como se tivesse perdido a mãe e ou tivesse sido acometido do mal do século: “Gente, Eu tenho uma notícia para dar para vocês. Eu não sei nem como dizer isso”.
“Nossa, Meu Deus, Isso o quê???” Ouve-se todo o tipo de questionamento....
“A SOLETUR, Gente”... “A SOLETUR ..... faliu!!!”.. pronuncia finalmente...
Ouve-se então todo o tipo de coisas... ”OHHHHH” “Como?” “O que??” “Repete” “Não entendi?” “Quem?” “Mas como??”
e eu só pensei: “Fudeuuuu!!! Esta AINDA não é a *má notícia*!!!”
Novo esforço, um passageiro intercede diante da multidão. Pede silêncio. Com uma certa dificuldade... ** OBS: sabe momento crítico de pânico, confusão mental, quando você quer pedir silêncio a um a turba e acaba precisando fazer mais barulho.. pois é.... foi assim...
Voltando... Com uma certa dificuldade o silêncio mesmo que incompleto, se fez.
Ele então novamente, tirou o lencinho vermelho do bolso do paletó preto... chorou, torceu e retorceu os lábios, deixou escorrer algumas lágrimas.... olhos vermelhos... palavras entrecortadas...
“A SOLETUR FALIU”... “A SOLETUR FALIU”...
Do nosso lado, um senhor muito bem vestido para a Noite de Tango, faz um giro de 360º e termina com um tapa estalado no meio da testa e sonoros PQP ! (Ouvido por pessoas polidas que explodem no P.. e depois, sem voz, mas com todo a mímica labial pronunciam as outras palavras nitidamente? Então, foi assim.)
Olho para ele surpresa ele vira-se pra mim... diante dos meus olhos arregalados... perante a cena dele: giro magnífico.. explica pra mim como se me conhecesse há anos... “Eu tenho uma carta de crédito com a SOLETUR... no valor de ...” (afff... precisa mencionar? Pelo giro vocês podem imaginar!!!! Não foi uma perda pequena!!! Na ordem de 4 dígitos gordos!! ) Olho em volta .. há OUTROS passageiros na MESMA situação!!
Novo caos ... agora é quase impossível conseguir silêncio... as pessoas estão realmente em pânico! Muita gente havia pago por excursões mais caras mas estas não fecharam. A estes passageiros foram oferecidos esta excursão mais barata e, pelo contrato/ condições gerais, a OPERADORA SOLETUR, se permitia o direito a entregar uma carta de crédito, no valor restante, para ser usufruído DEPOIS.
PARTE 5: AGORA INÊS É MORTA!** Nossa, como fede a golpe, hein?
Olha, a cena seria cômica se não fosse trágica.... Lembro de ter voltado pro quarto pra dar a notícia para o resto da família... E dei a notícia rindo (apesar da raiva, pois foi uma sacanagem) Porque a atuação do guia foi impecável... Só assim ele conseguiu escapar ileso dando uma notícia destas para uma multidão que, tomada pela fúria e pelo desespero, poderia ter feito dele um saco de pancadas! Ele, espertamente, solidarizou-se com os passageiros, transformando-se em vítima também.
Bom, ninguém havia morrido e nem morreu! Nem teve síncope apesar de ouvir aquilo. O guia juntou-se ao grupo como vítima: agora ele nem era mais funcionário da empresa.. pois ela não existia! Mas ele honraria o compromisso de levar todos de volta ao Brasil.
** Ah! detalhe: Há um “hábito” de recolher-se uma caixinha para o guia, o motorista, (ou até para o guia local, quando este fica mais tempo com o grupo). Algumas vezes o guia faz o lobby com um dos passageiros e consegue alguém como porta-voz para esta ingrata tarefa. Outras vezes, ele próprio vai lá na frente do ônibus, faz um speech exaltando o quanto significa ter o nome reconhecido na empresa, o tempo de serviços prestados, coisas do gênero.... e faz ele mesmo o lobby! Alguns ainda, para conseguir uma gorjetinha maior ficam comentando sobre presentes caros que costumam receber de outros passageiros, sobre preferências por determinado artigo de grife menosprezando os produtos de valor inferior.. Isto tudo é uma estratégia de marketing pessoal para que os passageiros contribuam com valores mais elevados, na casa de três dígitos, o que causa um certo constrangimento para quem não pretendia gastar muito neste tipo de despesa. Concluindo: A caixinha do guia já havia sido paga no dia anterior! Ele não partiria com as mãos abanando!
Bom, cessado o teatro... A duras penas o silêncio instaurado, mas não a paz! Restava saber: o que deveria ser feito? A situação era a seguinte: O hotel não havia aceitado o cheque da SOLETUR, é OBVIO!
** A notícia da falência havia se espalhado por todos os jornais locais! Via-se o nome da SOLETUR em todas as manchetes dos jornais de Buenos Aires! Uma vergonha!!
Então, fazer o quê? A solução era que os passageiros pagassem – novamente – pelas diárias naquele hotel em Buenos Aires!!!
**Isso mesmo! Quem havia quitado a vista: ia pagar de novo!! Quem havia feito aravés da Financeira (AMRO Bank) não iria poder suspender o pagamento e ainda iria pagar de novo pelas diárias do hotel + café da manhã). O fator atenuante: foram apenas 2 diárias! Menos mal, mas chegava ao valor de $ 500 pesos.... podia não ser muito mas ... peraê... Ultimo dia de viagem, você está liso, liso!! E, pagar de novo??? Ninguém gosta de ser enganado, não é mesmo???
OU isso ou as malas não seriam liberadas... O Gerente do hotel estaria à disposição dos passageiros para reaver os valores na recepção. O vôo ainda estava de pé... os bilhetes com o Guia Fulano. Bom, antes que outra m* acontecesse, fomos buscar nossos bilhetes... E, sim, eles existiam!!
Bom, resumo: Aquele pique todo, aquele clima de confraternização de fim de excursão foi quebrado por esta notícia bombástica.... Depois de ouvir isso tudo... a multidão custou a dissolver... Os que partiam comentavam... “Como vamos pagar? Gastamos nossa última grana neste *Tango*? E agora?? Outros ainda estavam perplexos...
** susto / perplexidade / raciocínio lógico. O último estágio = raciocínio lógico, que é quando cai a ficha!!
Bom, outros ainda saiam conformados: “ O Tango já está pago, vamos beber .... depois, na volta a gente pensa nisso...” Nós, pobres mortais, também tivemos que pagar. Momentos depois, alguns dos passageiros foram ao nosso quarto pra comentar a tragicidade do fato... Muitos arrependidos por terem sido tão precipitados em comprar o Tango, pois agora estavam sem grana pra quitar o hotel. Neste momento, internamente, nos corria um arrepio - de alívio - pela espinha!!
Bom, pra encerrar, na volta ao Brasil, foram 2 vôos: Buenos Aires – São Paulo / São Paulo – Rio de Janeiro.
PARTE 6: CONSIDERAÇÕES FINAIS** Nem precisa dizer que o Guia Fulano embarcou o grupo para SP e foi em outro vôo. Chegando em SP ele foi visto no meio da multidão seguindo em direção oposta.
Desembarcamos em um dos Aeroportos de SP e ainda tivemos que pegar um táxi para seguir para o outro aeroporto!
** As manchetes da falência não estavam limitadas aos Jornais locais de Buenos Aires. Vocês devem se lembrar que há jornais nos aviões também... As manchetes do Globo e Jornal do Brasil não mostravam notícias diferentes!!! Que vergonha!!!
E pra fechar com chave de ouro: metade de nossas bagagens foi extraviada!! Felizmente, encontradas e entregues algum tempo depois, em nossa residência, danificadas... mas, ao menos a Cia. Aérea TAM arcou com o conserto, nem tudo estava perdido.
Esta história está participando da promoção do Blog GOITACÁ